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‘A tecnologia está mudando a medicina’

Publicado em 25/06/2018 • Notícias • Português

Nascido na Venezuela e radicado nos EUA há 15 anos, Rafael Grossmann ficou conhecido internacionalmente em 2013, quando realizou a primeira cirurgia transmitida ao vivo pelo Google Glass. O dispositivo em formato de óculos que possibilita a interação do usuário com projeções, bem como a transmissão do que ele observa. A experiência transformou o médico num porta-voz em defesa da aplicação da tecnologia nos serviços de saúde. Ele esteve no Brasil recentemente, para participar de evento da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (ABIMED).

De onde vem gosto por tecnologia?

Eu sempre amei a tecnologia, os gadgets. Eu sou o que os americanos chamam de geek. Quando eu era estudante de medicina, no último ano, fiz um estágio na Amazônia venezuelana, numa região muito remota e isolada, sem comunicação, sem conectividade. Era o começo dos anos 1990. Não tínhamos telefone. De vez em quando, havia um rádio. Essa experiência moldou a minha paixão pela comunicação e conectividade. Eu realmente acredito que grande parte dos erros médicos, em todo o mundo, acontecem porque não estamos nos comunicando de maneira eficiente. Não apenas entre os médicos e as instituições, mas entre pacientes e médicos. E com os gadgets, é muito fácil se comunicar com qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora.

Você fez a primeira transmissão ao vivo de uma cirurgia usando o Google Glass. Continua fazendo isso?

Não, porque a regulação nos EUA é muito restrita. Continuo com as transmissões com fins educacionais, mas não com pacientes reais, apenas simulações. Como professor, meu objetivo sempre foi melhorar a forma como meus estudantes aprendem sobre a cirurgia, mas nas aulas tradicionais eles ficavam atrás de mim, tentando ver o que eu fazia por cima dos meus ombros. Eu imaginei que usando a câmera do Google Glass poderia transmitir o que eu via, ao vivo. Então, eles poderiam acompanhar a cirurgia remotamente, pela perspectiva dos meus olhos.

Que equipamento você usa, após o Google Glass ser descontinuado?

Eu te digo que existe uma percepção errada de que o Google Glass não existe mais. Ele está disponível. Existe uma segunda versão do Google Glass, bastante melhorada, que eles chamam de Google Glass Enterprise. É muito melhor que o primeiro. Não está disponível para o público em geral, apenas para a indústria. Muitas companhias, principalmente no setor de saúde, estão usando o Google Glass, por exemplo, nas entrevistas para elaboração do prontuário eletrônico. O médico grava e transmite a interação com o paciente, enquanto o escriba, que está assistindo a tudo remotamente, preenche os dados no prontuário. Então, o médico tem mais tempo e atenção para o paciente. Em vez de perder tempo preenchendo o formulário, ele pode focar no paciente.

“Erros médicos acontecem porque não estamos nos comunicando de maneira eficiente”

Além do Google Glass, que outras tecnologias têm potencial na medicina?

Existem tantas que poderíamos passar horas conversando. O uso da realidade aumentada e da realidade virtual no ensino da medicina está avançando muito rápido. O uso da inteligência artificial e de sistemas de aprendizado profundo para analisar grandes quantidades de dados estão ajudando no diagnóstico, fazendo com que médicos tomem melhores decisões sobre tratamentos. O uso da robótica, da nanotecnologia e dos drones está mudando a forma como praticamos a medicina. Está acontecendo uma revolução. Sabemos que cinco bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a tratamentos cirúrgicos, por exemplo. Faltam médicos, hospitais, enfermeiros e outros profissionais, porque a população está aumentando e as pessoas estão vivendo mais. Então, acho que a tecnologia pode ajudar a preencher essa lacuna, facilitando o treinamento em todo o mundo. O acesso à medicina é um direito humano básico e usar a tecnologia de forma inteligente é uma das maneiras de assegurar isso.

Em países como Brasil e Venezuela, os problemas de infraestrutura podem ser uma barreira?

Acho que os países que terão os maiores benefícios serão exatamente os ainda não desenvolvidos. As tecnologias estão ficando menores, mais rápidas, menos caras. Na África, os smartphones dispararam. As pessoas não têm eletricidade, nem banheiro, mas têm um celular. Todo o mundo tem acesso à internet até um certo grau. Então, é só uma questão de pensar em como usar essa tecnologia que está disponível para melhorar o acesso à saúde e ao treinamento médico.

Mas a comunidade médica está aberta a essas novidades?

Cada vez mais. É sempre difícil a adoção de novidades, mas o meu papel, como cirurgião e educador, é informar. E os pacientes também precisam conhecer para demandar de seus médicos. Ninguém está satisfeito com o sistema atual. Se você está doente, precisa esperar horas na sala de emergência ou pagar um valor astronômico para ser operado. Com a tecnologia, talvez você não precise ir ao hospital. Pode fazer uma teleconferência com o médico. Enviar fotos o médico pode avaliar se você precisa ou não ir até um hospital. Do outro lado, médicos e enfermeiros podem se dedicar aos pacientes, sem perder tempo com burocracia. É um sonho.

Com o avanço da tecnologia, há quem preveja o fim da profissão de médico. Como vê isso?

A tecnologia é o andaime da Humanidade. Nós vimos nos séculos passados, como vemos hoje e veremos no futuro, a tecnologia tornando nossas vidas diferentes. Sim, algumas profissões irão desaparecer. Não temos mais cavalos nas ruas, temos carros. Em breve, autônomos. Algumas funções irão desaparecer ou se adaptar, mas isso vai abrir campo para novas. Na medicina, vamos usar nossa expertise para humanizar o trato com os pacientes. Deixaremos para o computador coletar, analisar e memorizar dados. Ele faz isso muito melhor. Não vou precisar procurar em centenas de artigos qual é a melhor droga para o seu câncer. O computador fará isso, mas eu darei a notícia boa ou ruim. Vou segurar ua mão, chorar ou sorrir com você. Os médicos não irão desaparecer, só os que não se adaptarem à tecnologia.

Fonte: O Globo

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